quinta-feira, 20 de setembro de 2012

O susto e a Sabedoria Organísmica



As vezes algumas pesquisas aparecem no jornal e me assustam.  Na   ultima  sexta-feira  ( 14-09-2012)  foi publicado no Jornal  O Estado de São Paulo uma pesquisa realizada pelo IBOPE que levantou o que mães de crianças de 0 a 3 anos consideram importante para o desenvolvimento de seus filhos. Foram ouvidas 2 mil pessoas em 18 capitais brasileiras e fiquei mais do que assustada com o resultado divulgado. Em primeiríssimo lugar, com uma diferença significativa entre as demais repostas, cinquenta e um por cento das entrevistadas consideravam mais importante  " Levar ao pediatra regularmente/ dar vacinas" .  Ocupando o décimo lugar, com apenas doze por cento estava " Dar carinho e Afeto" . COMO ASSIM??!!!

  O que me surpreendeu não foi tanto o fato do acompanhamento pediátrico estar em primeiro lugar pois , como em minha clínica ha pediatras, observo diariamente a insegurança das mães em relação a coisas muito básicas sobre o cuidado com a criança. Já ouvi mães perguntando se podem trocar a água do banho se a criança urinar na banheira! Fiquei muito mais surpresa e realmente assustada, com a falta de importância dada ao carinho e afeto. DÉCIMO LUGAR?!  Atendo crianças ha 27 anos, já acompanhei famílias e crianças das mais variadas condições emocionais, culturais e sociais. Confesso que nos últimos 10 anos me impressiono com o estado emocional que elas chegam ao consultório (já mencionei isso na postagem anterior : Evolução) .
 Crianças NECESSITAM diariamente de carinho e afeto. Seres vivos necessitam de carinho e afeto da hora que nascem até a morte. Todos nós queremos, ansiamos e buscamos afeto. O que muitos pais parecem ignorar é que a afetividade também esta relacionada a saúde e desempenho escolar . Quando colocamos um bebê de dias no colo, acalentamos e aconchegamos de maneira carinhosa, estamos fornecendo também saúde e potencial de aprendizagem. Nas primeiras horas de vida a criança já esta construindo sua forma de ser-no-mundo e, dependendo do modo como foi manejada, um sistema de contactar vai se configurando. Nesse período suas impressões são colhidas pelas sensações ( por isso Piaget , estudioso do desenvolvimento da inteligência denomina essa fase que vai dos 0 até  os 18 meses, de "período sensório-motor"). É pelas sensações confortadoras do carinho e do afeto que a criança adquire confiança básica para explorar o mundo a sua volta, curiosamente buscando uma experiência de contato. Se o mundo é sentido como algo bom ela se abre para ele, explora as possibilidades e apreende as sensações e percepções.Se não desenvolveu essa confiança básica em sí mesma, sentiu o mundo pouco acolhedor perdendo ou mesmo minimizando sua capacidade de entrar em contato genuíno com a experiência, como pode sair para explorar o mundo? O afeto é a energia que movimenta o processo de desenvolvimento. O carinho é a mais simples manifestação de Amor.A criança que se sente amada  é mais saudável física, cognitiva e psicologicamente. Um fato que comprova o que digo: nos anos 80 ainda funcionava em São Paulo uma unidade da antiga FEBEM que acolhia bebês abandonados. Os funcionários e voluntários que lá trabalhavam alimentavam  as crianças no horário e quantidade adequada ,no entanto faziam sem tira-las do berço para evitar que elas "se acostumassem" a ficar no colo para que não ficassem manhosas. Depois de alguns meses algumas crianças recusavam a  alimentação,  não se interessavam pelo ambiente à sua volta e muitas acabavam morrendo antes de um ano de vida. Os funcionários foram orientados, então,a pegar as crianças no colo na hora de alimentar. Passaram a conversar e fazer carinho  enquanto as alimentavam. A mortalidade infantil foi a zero. A alimentação era a mesma, os funcionários eram os mesmo, mas agora vinham junto com  afetividade. Como não dar importância a isso? Colocar a importância de carinho e afeto em décimo lugar é, para mim, algo assustador.

A coisa toda vai ainda mais longe. Nesta mesma reportagem mencionam que deveriam pensar em campanhas de saúde pública incentivando os pais a darem afeto a seus filhos, assim como houve campanhas para vacinação e amamentação.  Bom, a eficácia dessas campanhas foram obviamente comprovadas pois a vacinação é a primeira da lista de importância, seguida pela amamentação. Será que chegamos ao ponto de precisar de campanha publicitária para dar afeto às crianças?
Vejo uma enorme  tendência a transferir para profissionais qualquer decisão referente a necessidades cotidianas. Transferimos ao profissional de moda o que devemos vestir, transferimos ao profissional de saúde o que devemos comer, o que devemos sentir, o que devemos saber; transferimos aos professores a educação dos filhos, às babás o cuidado diário e aos pediatras o que devemos ou não fazer com aquele pacotinho de gente que não sai da cadeirinha de carro nem pra passar na consulta.  Perdemos contato com nossas  necessidades básicas e, muito mais que isso, perdemos contato com nosso próprio modo de resolve-las. Estamos nos desconectando com nossa Sabedoria Organísmica!
Quando estamos em contato genuíno com nossa Sabedoria Organísmica estamos em contato com a mais poderosa força do universo: O Amor

O que estamos fazendo com nossas crianças?
Quem irá ensinar a elas o que é Amar , para que elas não se confundam entre amor e subjugação?
Quem irá ensina-las o que é Carinho, para que elas não se confundam entre carinho e permissividade?
Quem irá ensina-las o que é Vida, para que elas não se confundam entre viver e inconsequência?


(Para saber mais sobre Sabedoria organísmica leia :  " A estrutura da transformação" de Fernando de Lucca _ ed. Summus)

Um comentário:

  1. O tema da capacidade de amar do humano vem sendo discutida das mais variadas formas. De modo geral, fala-se sobre como nosso contexto sociocultural vem causando prejuízos diversos nessa nossa capacidade.
    Creio que essa pesquisa pode ser mais um indício de como, de fato, estamos desaprendendo a estar no mundo dessa forma. E como, de fato, há uma engrenagem social que cada vez mais relega o afeto a um plano de pouca significancia.
    Parece-me uma das contradições mais expressivas em nossa sociedade. Já que, pelo menos por hora, apesar da pouca capacidade de amar, o desejo de ser amado continua presente. Da mesma forma, ainda não vislumbramos outro modo de nos desenvolver de uma boa forma, tornando-nos pessoas inteiras, sem afeto.

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