terça-feira, 21 de junho de 2011

A falta que um pai faz!

Faz tempo que quero escrever sobre o papel do Pai na vida da criança. Hoje,especialmente, em que meu pai faria aniversário, essa reflexão toma um significado ainda maior.Aprendi com ele que todas as coisas que existem, como ele mesmo dizia, eram provas de milagres. Ele me ensinou a olhar com admiração cada fenomeno, seja ele humano ou natural. Ficavamos sentados na varanda apreciando o recolher das asas de uma joaninha, ouvindo as explicações dele de como o "projetista de Deus" era inteligente em criar aquele mecanismo de asas retracteis. Com o mesmo olhar de contemplação nos chamava para que apreciassemos uma ferramenta ou um simples parafusinho, sempre exclamando o quanto aquela invenção era maravilhosa. Devo ao meu pai o jeito como olho o mundo, um olhar de encantamento. Na verdade  é esse mesmo o papel de um pai na vida de uma criança: fornecer  "o jeito de olhar o mundo".
Quando recordo essa presença paterna, vejo com um certo pezar o quanto as crianças de hoje estão carentes de PAI. Embora a educação dos filhos tenha sido culturalmente atribuido às mães , um pai, ainda que austero, tinha uma presença marcante e definida nas famílias antigas. Nessas famílias geralmente mãe e filhos preparavam-se para a chegada do pai, atribuindo-lhe, muitas vezes uma aura de autoridade régia. Lembro-me de colegas contando que a melhor parte da galinha do jantar, era reservada ao pai, assim como o maior pedaço de carne, comportamento que alimentava essa imagem de soberania. O pai estava presente mesmo quando não estava em casa, e os filhos viam nessa presença algo em que se espelhar. Essa figura austera e distante já deixou de ser padrão de pai, mas não sei ao certo  que tipo de pai ficou no seu lugar. Evidentemente hoje temos pais mais participativos da vida do bebê, trocando fraldas, dando mamadeiras, etc. Vejo pais mais amigos, que brincam com seus filhos, mas,infelizmente, esses estão em menor numero.
Nos ultimos10 anos as crianças que atendo são meninos. Atendimento de meninas são raros, a ultima menina que acompanhei foi em 2009. Certa vez, também, visitei uma escola especializada em problemas de aprendizagem em que as classes eram em sua totalidade formada por meninos. Existe um senso comum  que diz que os pais preocupam-se mais com o futuro dos meninos, e por isso eles são maioria nos consultórios. Mas não acredito que isso seja realmente verdadeiro.
O que tenho observado nos ultimos anos aqui no consultório é que as crianças cuja figura paterna é presente e afetiva, tem um bom prognóstico, com um processo terapeutico rápido. Mas a grande maioria não se enquadra nessa cena, principalmente no que diz respeito aos meninos. Histórias de pai que trabalha o dia todo e mal vê o filho é o fato mais comum. A criança vai cedo para a escola, o pai esta dormindo e, quando o pai volta é a criança que  esta dormindo. Nos finais de semana,esse pai cansado da jornada extenuante de trabalho, sai para jogar com amigos, andar de bicicleta, tomar uma cervejinha, e muito raramente acompanhado de crianças. Ou ainda , simplesmente ficam largados no sofa assistindo a seus programas de TV, motivo de brigas constante entre maridos e esposas, já que as crianças passam a reinvindicar seus próprios programas, ou gritam e brincam pela casa, deixando os pais "loucos" e fazendo do final de semana um inferno. Precisamos lembrar que a criança aprende por identificação, ou seja, ela elege as figuras parentais como modelo e as imita. Nessa situação a menina sai em vantagem porque,identificando-se com a figura materna, ela tem modelos muito presentes. Na ausência da mãe,ou na ineficiência, ou impossibilidade da mãe em se tornar essa figura, a menina conta ainda com as babas, as professoras, as avós, ou seja, todo um universo feminino. Já para os meninos temos uma cena completamente diferente. Com quem  vão se identificar? Uma figura de pai ausente? Onde os meninos encontram figuras masculinas que lhe sirvam de modelos?  Algumas poucas escolas tem um professor em seu quadro docente e, geralmente é um professor de educação física  ( adorado por todos os meninos), ou ainda, aqueles que podem pagar por uma pratica esportiva extra, tem um " instrutor de esporte" , futebol, na maioria das vezes, ou tenis, ou basquete. Com esses modelos os meninos aprendem que ser homem é VENCER. Vencer a qualquer custo e a qualquer preço pois a vitória significa sobretudo a atenção de uma figura paterna, seja ela quem for. Assim,sinto, estamos criando dois tipos de homem: os agressivos e os deprimidos. São esses os dois tipos de meninos que recebo na clínica. Os agressivos, que batem, chutam os amigos e as professoras, sem limites, que aos 7 ou 8 anos ( essa é a faixa etária que atendo) estão sendo convidados a se retirar da segunda ou terceira escola que frequentam ( sem levar em conta aqui as dificuldades das escolas de hoje) e que acabam em terapia porque não sabem lidar com a perda e o fracasso e atuam agressivamente diante de qualquer percepção de limitação; Ou os deprimidos, que são incapazes de se sair bem em alguma atividade esportiva ( futebol na maioria das vezes) e se sentem sem lugar no mundo. Perdidos e confusos, passam os dias num jogo de video-game, solitários, com problemas de sono, enurese, sentindo-se tão incapazes que desistem de aprender. Isso sem mencionar a questão da identidade sexual, que é assunto para mais de uma postagem.
Quando falo das atividades esportivas obviamente me refiro a uma classe social com condições de matricular os filhos nessas atividades. Nas classes menos favorecidas a situação dos meninos é ainda pior. É difícil encontrar uma figura paterna suficientemente adequada, que, na melhor das hipóteses é transferida para os ídolos da mídia, novamente, ligados ao futebol . Infelizmente, diante da carência de uma figura masculina adequada, os meninos assumem a postura daqueles que se destacam na comunidade, quase sempre pela marginalidade ou violência.
Precisamos urgentemente de PAI na sociedade atual. 
Pai que conta histórias, pai que desvenda mistérios, pai que enfrenta perígo, pai que mostra quem são os amigos e também os inimigos. Pais que carreguem no colo e que também ensinem a andar, que joguem bola pelo prazer de jogar e, também, mas não só, pelo prazer de vencer. Pais que mostrem que ser homem é uma missão que se constroi a cada dia, tornando-se cada vez mais humano.
Pais que sejam pontes para um mundo melhor.

28\05\2011